terça-feira, 7 de setembro de 2010

Escurinho do cinema por SAYMON TEIXEIRA

  A nova onda em Hollywood são os “reboots”, reaproveitando fórmulas que já tem o sucesso agregado ao próprio de suas respectivas franquias. Falta de originalidade? Talvez... Nessa linha delicada de usar novamente uma mesma idéia, já conhecida por cinéfilos mais velhos, há o grande risco de desgastar o grande o mito construído por personagem e histórias como Batman (sim, aquele do Tim Burton...), mas Chistopher Nolan provou que é possível melhorar o que já era muito bom, resumindo toda a celeuma no fato de encontrar a fonte certa para inebriar a história que se pretende recontar. Assim, surge o engenhoso, sombrio e justificado Bruce Wayne de Batman Begins, inspirado nas elogiadas páginas de “Batman – Ano Um” que nos rendeu um fascinante reinício, além de “Cavaleiro das Trevas” como seqüência magistral.
Parece que este recado foi bem compreendido pelos produtores do novo Karatê Kid, sobre o qual dissertarei como estréia desta coluna, tecendo este texto, atendendo a um convite muito especial que rendeu esta coluna (por enquanto) quinzenal.


Karatê Kid (2010) – Nota: 9

  As tardes, durante minha infância, foram muito influenciadas pela amálgama de filmes oitentistas que era, e ainda por vezes é, incansavelmente reprisada pela Rede Globo. Não à toa estou familiarizado com os elementos que fizeram de Karatê Kid – A Hora da Verdade tão marcante. Afinal, assim como todo Nerd sentiu-se recentemente realizado com Peter Parker/Homem-Aranha de Sam Raimi, o mesmo acontece com Daniel Larusso (Ralph Machio) e a sua jornada, desde a perseguição que sofre por uma gangue sendo salvo por Miyagi (Pat Morita), um veterano japonês, que decide ensiná-lo Karatê para que possa se defender. Neste percurso há o envolvimento romântico de Daniel com Ali Mills que reforça os momentos finais, que culminam em um torneio, no qual o protagonista busca encerrar todos males com seus rivais, bem como ensinar uma lição ao Mestre deles que se revela sem escrúpulos e distorce os propósitos da arte do Karatê dentro do viés egoísta e desumano.
  O novo filme substitui o Karatê pelo Kung Fu e Jackie Chan entra como Mr. Han ocupando a posição outrora de Miyagi, enquanto no eixo principal sai o Daniel Larusso e temos o ascendente Jaden Smith como Dre Parker. Após curtas cenas em numa nublada e triste Detroit, Dre e sua mãe (Taraji P. Henson desempenhando novamente papel maternal, longe dos contornos de época que carregava em O Curioso Caso de Benjamim Button e essencialmente com maior destaque do que a mãe no filme de 1984) embarcam para Pequim, devido a transferência de emprego desta. De modo nada sutil somos apresentados a China crescente em prosperidade e o fulgor do exotismo oriental não morre mesmo diante dos aspectos futuristas que circundam o lugar, conduzindo o clima de imersão neste mundo, a trilha sonora teen consegue mostrar tais contrastes e divertir quem acompanha as montagens exibindo pontos turísticos e o treinamento de Kung Fu.
  Dre Parker sofre bastante com a mudança e isto é um pouco abrandado somente ao conhecer a jovem Meiying. No entanto, esta amizade é confrontada por interesses de Chong, o líder o grupo que passa a tornar a vida de Dre um inferno. Ao contrário do original, tudo parece mais intenso nesta reciclagem e só rende bons frutos, extraindo mais da atuação do elenco e criando situações cômicas na medida certa, além de deliciosamente inesperadas, principalmente aquelas que ligam o início do treinamento de Dre e a indisciplina do mesmo na relação com a mãe, levando o aprendiz de Kung Fu a uma reeducação. Bem mais didático, a arte marcial é mostrada no seu berço de origem enriquecendo a trama com sua filosofia, como nesta simples demonstração (na relação mãe-filho) e outra que nos leva ao momento chave que é o término do torneio, a ser dissecado mais a frente.
  Em contraponto ao humor trabalhado no personagem de Jaden Smith (onde pode finalmente brilhar um pouco mais, após trabalhar ainda inexperiente ao lado do próprio talentoso pai – Em Busca da Feliciadade – e em seguida ser ofuscado ao lado da enigmática inexpressividade de Keanu Reeves – O Dia em que a Terra Parou), a parceria com Jackie Chan dentro de uma seriedade carregada por uma tragédia familiar constrói um Miyagi diferente do original e muito melhor, permitindo construir uma cena bem mais cativante quando Dre Parker diz ao seu mestre “o Sr. é o melhor amigo que eu já tive” e busca nos arrancar mais lágrimas ainda. Pois, em momento prévio, quando o aprendiz ensina ao mestre é o melhor do filme, mostrando que a sabedoria milenar reinante na arte do equilíbrio e da razão, também tem no cerne a humildade.
  Paralelo a esta evolução mestre-aprendiz, a relação entre Dre e Meiying ganha traços de Romeu e Julieta (claro que sem o final trágico, pois se trata de duas crianças de 12 anos e estamos diante de um filme para a família...) e é por meio da ingenuidade e sinceridade que a resolução deste conflito se encerra, simples e sem rodeios. A partir deste ponto já é possível se despir das aprendizagens de Dre e, então, tomar os lugares das torcedoras Sherry Parker e Meiying durante o torneio que finaliza a película. A disputa segue sacrificante como no original e tem seu ápice com o término em um único golpe, bem diferente do famoso Vôo da Garça que fora exaustivamente treinado por Daniel Larusso, embora não menos impactante e envolvente... Pois a técnica usada por Dre neste momento chave é apenas sugerida em alguns poucos e curtos momentos cômicos... Esse detalhe não quebra a credibilidade do arco construído até este instante, apenas é passível de uma leitura enganosa para quem piscou nos segundos de Jaden Smith “treinando” sem auxílio do Sr. Han.
  A mesma satisfação de assistir Karatê Kid – A Hora da Verdade de duas décadas atrás está nesta nova versão, sendo impossível sair da sala escura sem um sorriso contagiante no rosto... Pois, a grande resolução de que “não existem maus alunos, maus professores fazem maus alunos” resgata nostálgicas e boas memórias de todas as figuras paternas, maternas, mestres, professores, sábios e educadores que trabalharam para extrair o melhor de seus seguidores, seus filhos, seus alunos e seus aprendizes.

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